Estava sentado na muralha da praia vazia. O verão era uma ambição distante. Soprava uma brisa afiada e o céu estava encoberto mas não chovia. Olhava o mar cinzento enquanto fumava um cigarro. Lentamente, levava-o aos lábios e sorvia o fumo quente e agridoce como se áquele nunca mais nenhum outro se seguisse. Olhou a traineira multicolor que vogava próximo, balouçando no seu monótono tú-tú-tú-tú. Vinha cheia de pescado, a julgar pela grande nuvem grisalha que a seguia a curta distância, como um rasto no céu. Ouvia o gritar desesperado da nuvem faminta. Lembrou-se do Fernão Capelo. Por onde andaria ele?
Deu uma última fumaça e atirou a beata para a areia, metro e meio mais abaixo. Viu-a descrever um arco no ar como uma estrela cadente. Seguiu-a com o olhar. Viu-a quando tocou a areia e o murrão explodiu em faúlhitas e, num estertor de morte, lentamente, se apagou.
Levantou os olhos. Procurou a traineira. Afastava-se, cada vez mais longe. As vagas imensas faziam-na desaparecer de vez em quando. Como se se afogasse ciclicamente mil vezes. E outras mil vezes se salvasse.