terça-feira, maio 25, 2004

hábito

O homem é um animal de hábitos.
Sobretudo de maus hábitos...
É difícil ganhar os bons hábitos. É fácil perder os bons hábitos. É fácil ganhar os maus hábitos. É difícil perder os maus hábitos.
E será mesmo verdade que o hábito faz o monge? Ou será o monge quem faz o hábito? E quem tem um hábito é necessariamente monge? A ser assim, como o homem é um animal de habitos, o homem é inevitavelmente um monge:

Ele tinha um hábito.
Um tanto ou quanto invulgar, é certo, mas na verdade nada de paranóico ou doentio.
Era um hábito incomum mas inofensivo. Tinha o hábito de arrancar um pêlo que lhe crescia de tempos em tempos no orifício da orelha direita, com as unhas em pinça do médio e do polegar.
Mas não era apenas isto. Fazia-o sempre e imediatamente antes de tomar uma bica. E só antes de tomar uma bica.
O hábito não se estendia a nenhuma outra ocasião diurna, nocturna ou de lusco-fusco. Os elementos comuns eram o pêlo na orelha e a bica.
Onde quer que estivesse, com quem estivesse, quando quer que fosse. E se bebesse 8 bicas num dia fazia-o 8 vezes, uma por cada bica (o pêlo era de crescimento acelerado, efeito da toma de vitaminas soviéticas, reminiscências quinquenais estalinistas...)
O hábito tinha uma importância tão grande no seu equilíbrio psicossomático que começara mesmo a ansiar pelo momento de beber o cafézinho, pelo tremendo prazer que lhe dava o pôr as unhas em pinça, agarrar o pêlo o mais fundo possível e dar-lhe o valente puxão que o fazia sair, esfregar as pontas dos dedos para o soltar no chão e dar o primeiro golinho na escaldante biquéfia.

A kierkegaardiana angústia da espera... A chegada do inefável momento... A doce e infantil antecipação do prazer lúdico... A ligeira dorzinha que sentia quando puxava o pêlo.. O renascido arrepio na espinha que parecia um choque eléctrico... O posterior esfumar da emoção... A ânsia da espera e a certitude de nova ocasião...

Ah, como isso o fazia gozar!

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