domingo, fevereiro 12, 2006
... normal...
Tenho como adquirido que o 'normal' é o que segue a norma comummente aceite e o 'anormal' é o oposto do anterior, aquilo que, pelos mais diversos e tantas vezes incompreensíveis, inauditos e intangíveis motivos, não se rege por essa mesma norma.
Frequentemente na dinâmica dos entes, o anormal, pela sua dialéctica de vulgarização, acaba por tornar-se normal. Isto é histórico.
Veja-se o caso do preservativo masculino, vulgo camisa-de-vénus, em Portugal, ou camisinha, no Brasil.
Durante muito tempo foi considerado uma coisa obscura e obscena, julgo mesmo que obstipante, nomeadamente nos primórdios em que era feita de tripa de porco, acerca da qual não se devia falar ou escrever, muito menos exibir, e que hoje, não só se refere livremente em todos os 'media', como se pode adquirir nos supermercados. Vulgarizou-se. Passou da anormalidade à normalidade.
Ou o caso da homossexualidade, vulgo paneleirice.
Durante muito tempo foi considerada 'anormal' e até mesmo uma doença. A própria Ciência, num conluio com a igreja ainda não devidamente esclarecido e clarificado, aprovou e sancionou esta tese, dando-lhe fundamentos científicos, durante muito tempo incontornáveis. Contudo, hoje em dia assiste-se a uma inversão de valores e é o heterossexual que é subrepticiamente e subliminarmente considerado um anormal (freak, em inglês). A um tal extremo tal, que os heterossexuais começam a temer assumir a sua condição, com medo de serem alvo de represálias sócio-profissionais...
Em suma, o que no passado era anormal hoje é normal, e vice-versa. Esta é a dinâmica das coisas.
É por isso que não compreendo que esdrúxula lógica subjaz a certas modalidades de pensamento de determinadas pessoas.
Por exemplo, o caso da BICA.
Refiro-me à pequenina chávena de café expresso pela qual pagamos quase dez vezes mais que o seu real valor.
Quantas vezes, ao pedirmos uma bica num estabelecimento, o empregado nos olha com ar de quem julga que estamos a falar chinês e nos pergunta "a bica é NORMAL?"
Confesso que fico frequentemente sem palavras.
Por uma razão simplérrima: não sei o que é uma bica anormal...
Respondo, quase sem dar por isso, que "Sim."
Muitas vezes apenas acenando com a cabeça, numa inconsciente e paupérrima imitação de uma cornuda vaca com tonturas.
O caso repete-se tão frequentemente, que acabou por se tornar uma obsessão compulsiva reflectir sobre a questão: "O que é uma bica anormal?"
Confesso que por vezes tenho a tentação de não responder ao empregado, com a esperança de que ele decida por 'motu proprio' trazer-me uma das referidas bicas anormais, de modo a eu poder tomar contacto estético (aisthetikós), sensorial, com ela e poder apreciá-la em todos os seus caracteres. Percepcioná-la em toda a substância do seu ser, na sua concreção, em toda a sua constância e inconstância.
Já pensei mesmo em tomar a iniciativa e na altura de responder, pedir uma bica anormal.
Mas temo.
No momento de o fazer, quando o empregado ali está solicito com aquela típica e promíscua cara de boi à minha frente, aquele seu ar de borrego trombeiro, aguardando uma resposta, faltam-me as forças, vou-me abaixo pois um enorme terror invade todo o meu ser.
Temo que o pedido, verbalizado finalmente, soe na minha límpida boca como uma ofensa conspurcativa aos mais altos valores pátrios, e a polícia me leve para interrogatório numa cave escura, fedorenta e húmida (sofro muito com a humidade, tenho bronquite asmática) ou, pior ainda, que apareçam uns senhores corpulentos com ar labrego mas fardados de branco, que me metam num carro com pirilampos luminosos e me levem para um quarto forrado de paredes nacaradas de branco e me obriguem a ver as gravações todas dos programas da Maria de Lurdes Modesto ou, pior ainda, a fazer cunnilingus à Manuela Ferreira Leite.
Quando me preparo para formar as palavras, que não chegam a vibrar, nem nas cordas vocais da minha garganta nem no ar à frente dos meus doces e carnudamente lascivos lábios, o meu coração decide por sua auto-recreação trabalhar como um cavalo a galope e o meu sangue, indiferente ao seu carácter O Rh+, lateja nas minhas têmporas com o rufar de mil tambores.
A minha tensão altera-se e sobe até níveis mortais, mesmo para um rinoceronte.
Suores frios invadem-me e sinto a transpiração escorrer-me pelas vértebras num fiozinho gelado que parece o gume duma lâmina de barbeiro a correr-me a espinha. Penso que vou desfalecer. Uma tontura toma conta da minha pobre existência.
Fico literalmente congelado e a resposta acaba por sair automática: "Sim, Se Faz Favor."
Acobardo-me. Escondo-me no meu íntimo, enrolado num casulo de arame farpado que construí de propósito para estas ocasiões e que faria inveja aos israelitas.
Sou previdente. Tenho sempre este casulo à mão-de-semear para qualquer ocasião em que necessite de refúgio rápido e imediato.
Adio. Protelo.
Um destes dias, talvez me ocorra ao espírito um vulgar e vernacular "Foda-se!" e quando já nada tiver a perder pronuncie a expressão fatal: "Dê-me uma bica ANORMAL, se faz favor!!!"
foto: © josé antónio
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16 comentários:
a culpa é dos esquisitinhos que pedem uma
bicacurtaitalianaescaldadabemtirada
sefazfavor!
de resto, o "normal" é algo que irrita muito tb...
dá-me sempre vontade de explicar em pormenor o que é realmente uma Normal - estatisticamnete falando, portanto - mas tenho de cerrar os lábios sabendo que ninguem vai perceber... nem sequer ouvir, aliás!!!
E ainda pra mais, na escolinha e trabalho passo a vida a lidar com coisas (variáveis) que não sao normais... mas que têm de passar a ser!!! E "#$%#"##$% (i.e. foda-se!) é dificil, e nunca consigo sem perder uns belosdunsdias de dor de cabeça :o|
BJs
LOL
Olá Sara !
Pois, essa das curtas-italianas-escaldadas-pingadas-bem tiradas-etc., só por si, dava pano para mangas para um bom romance de ficção de tipo kafkiano. :)
O que questiono é a atitude do empregado. Se eu peço uma bica, porque é que ele não se limita simplesmente a dar-me uma e vem sempre com aquela perguntinha irritante. Soa-me sempre a provocação. Devo ter cara de quem bebe bicas anormais...
Imagina se noutros estabelecimentos nos questionassem da mesma forma:
— Quero um par de calças, S.F.F.
— As calças são normais ?
ou:
— Quero 1 Kg. de Feijão Manteiga, S.F.F.
— O feijão é normal ?
Pois, estranho mundo este...
bjs,
eh!eh!
pelo menos a ida às compras ficava mais divertida :o)
BJs
muuuuuito mais. ;)
bjs,
Olá Sulista !
Bem aparecida.
Vou já lá de seguida dar uma espreitadela para ver esse Logo.
bjs,
Olá Sulista !
Já lá fui e deixei um comentário.
bjs,
Olá Zé,
Deixo um []
aesquisitinhadabicacurtaitalianaescaldadabemtirada
sefazfavor!
post scriptum? Sabes o significado da palavra BICA?
aminha assinatura não ficou legível...
aqui vai de novo e a ver se é desta. :)
aesquisitinhadabicacurtaitalianaescaldadabemtirada
sefazfavor!
será agora? :)
aesquisitinhadabicacurtaitalianaemchávenaescaldadabemtiradasefazfavor.
Olá 'aesquisitinhadabicacurtaitalianaemchávenaescaldadabemtiradasefazfavor' !
Acho a assinatura perfeitamente entendível. ;)
Do significado de BICA, só conheço o tradicional.
Uma bica é um tubo ou torneira num fontanário, de onde corre água.
Se conheces outro significado, p.f. divulga-o a bem da nossa 'coltura'. Fiquei curioso, claro.
bjs,
p,s. (não o do sócrates): bica também pode ser numa fonte ou nascente.
bjs,
Cá vai então, porque não tem a ver com o significado da palavra mas com a sigla.
É daquelas histórias que se sabem quando se trabalha em Turismo, - e porque alguém me contou, claro!
Aquando do aparecimento das máquinas de café expresso, em Lisboa, talvez na década de 50, não estou certa, num dos cafés do Rossio/Chiado, a 'coisa' não teve um grande impacto inicial porque o consumidor não gostava do travo amargo.
Então, o gerente/dono do Café teve a ideia de colocar um letreiro sobre a máquina do expresso - BEBA ISTO COM AÇUCAR.
As iniciais fizeram história e foi-me contado como sendo a verdadeira história da 'BICA'.
[] :)
A anónima sou eu!
Escrevi o user name e a password e esta coisa tirou-me a identidade.
Não estácerto! :)
Olá Querida Isabel !
Eu percebi que esta estória não era 'anónima'... :)
Obrigado por ela. Espero não me esquecer da mesma, para brincar com os meus amigos.
A propósito de bica, um destes dias temos que combinar ir beber uma. Tenho saudadinhas!
Ah, e quanto ao tal jantar, estou a aguardar que o tempo melhore para lançar o repto.
bjs,
Caro Zé Tó;
Fica combinado beber a bica para a próxima semana que esta já está preenchida - com trabalho.
O jantar será quando tiver que ser. :)
Um []
O.K., por mim está perfeito.
Quanto a 'semana preenchida com trabalho'... as minhas estão sempre ! :)
Por isso qualquer dia, em princípio, serve.
Julgo que prefiras um fim-de-semana, talvez num sábado ou domingo à tarde — em que não chova nem neve !? :)))
O jantar é isso. Quando tiver que ser.
bjs,
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